C³ x 4 – Besouro.
Caros colegas,
Mais uma vez venho através desta matemática resenha para trazer novidades a vocês. Dessa vez, eu vi Besouro (2009), o novo filme nacional com cara de Blackbuster Norte-americano. Tinha antecipado a vocês algumas notícias a respeito da produção no início da minha série de resenhas, no primeiro C³ que o filme sairia. Ganhou proporções de grande filme e apareceu diante das telas dos cinemas nacionais. O filme é do Diretor João Daniel Tikhomiroff.
Inicialmente gostaria de ressaltar que a obra foi muito bem divulgada e envolveu muitas personalidades da dramaturgia nacional. Melhor dizendo, não só deste ramo, como também da música. Citamos aqui Gilberto Gil, como responsável pela trilha sonora. O filme foi alardeado não só por mim, mas por uma série de críticos especializados em cinema. Isso porque além da história ser empolgante por tratar de uma temática tão atual quanto longeva – resistência negra – seria o filme de ação que melhor retrataria o Brasil no exterior. Para tanto, foi investido R$ 10.000.000,00 (Dez Milhões de Reais). É válido salientar que foi contratado para coreografar as lutas ninguém menos que o Chinês Huen Chiu Ku, responsável pelas lutas de O tigre e o Dragão de Ang Lee e Kill Bill de Tarantino, não sei se por isso, mas as cenas de luta no filme são sensacionais.
Eu me lembro dos meus tempos em que praticava capoeira, nós cantávamos na roda “Êh Besouro, cordão de ouro, êh Besouro, Cordão de Ouro”, mas nunca, nunca tinha parado para analisar o que cantava. Mas enfim, no mundo da Capoeira, Besouro é um símbolo que é muito cultuado, assim também como Mestre Bimba, mais recente, este último, percussor da dita Capoeira Regional, a Capoeira Alta, mas ai é outra história. Besouro, segundo a sua sinopse, diz que depois que o mestre Alípio (Macalé dos Santos) que o colocou nas primeiras rodas de capoeira e é assassinado a mando do coronel local, vivido por Flávio Rocha, o personagem Besouro (Ailton do Carmo) inicia uma luta contra a cultura escravocrata que ainda predominada no Recôncavo Baiano em plenos anos 20. Só que diante da película, as coisas não acontecem exatamente assim.
A película inicia-se muito bem, mostrando a “predestinação” de Besouro à capoeira. Alípio, vivido pelo baiano Macalé dos Santos, é quem instrui o menino na arte. Logo percebe que o garoto tem futuro não só como capoeirista, mas principalmente como membro de uma “resistência negra” aos desmandos, preconceitos e humilhações que a população de cor sofria. É válido lembrar que a história é baiana, e se desenvolve em Santo Amaro da Purificação. Até ai tudo bem, mas em determinado momento a imagem que o roteiro de Patrícia Andrade e João Daniel Tikhomiroff (roteiristas) transmite a respeito de Besouro é um pouco confusa. O vemos como um cara sem muitos compromissos e que não tem apego a muita coisa. Essa premissa é confirmada principalmente na influência das atitudes de Besouro na morte do mestre Alípio.
Continuando a partir desse marco importante no filme, é indo desse ponto que a opressão à população negra aumenta no filme. Alípio era um símbolo de resistência e com sua morte procurava-se quem o substituiria à altura. Parece que o único que poderia fazer isso com destreza seria Besouro, só que ele reluta muito. O repórter Érico Borgo, um dos mestres do Omelete.com disse que apesar de trazer ação para o cinema nacional, o filme Besouro traz consigo um herói relutante demais. Eu concordo plenamente, pois o herói se abala tanto com a morte do seu mestre que tenta fugir do mundo e não quer arcar com as conseqüências daquele fato, que dentre tantas, seria ele mesmo carregar uma suposta liderança na “luta” que Alípio tanto falava. Em suma, essa é uma falha do roteiro, a meu ver, pois personaliza um Besouro com muitos sentimentos e o principal dele é o egoísmo, isso no primeiro momento. Ele é relutante demais, e parece pouco interessado com a luta, ou pela resistência negra. Mas se ele é humano, por que não portar esses sentimentos?! Claro, isso é algo inevitável. Só que quando pensamos em um herói, o vemos sem medo, sem receios. Logicamente alguém que faz somente o bem. Com toda certeza não acredito que foi a intenção dos roteiristas traçar Besouro com as mesmas linhas que Alan Moore fez com Dr. Manhatam e Cia Ltda. em Watchman, ou Frank Miller com Bruce Waine em The Dark Knight Returns , obras que marcaram a historia de heroismo com realismo, na banda desenhada dos anos oitenta. O roteiro ainda falha quando não trabalha o bastante sobre as habilidades dele como capoeirista antes do encontro com o sobrenatural. Não parece que ele é bom, parece que ele ficou bom na capoeira somente depois de encontrar-se com os orixás. A intenção foi até boa, mas faltou aos roteiristas malícia talvez, ou até mesmo inspiração. Isso é a minha opinião.
Quanto à estética, o filme, como diz Seu Ladir, é Mara. Nos sentimos, pelo menos eu, num pelourinho ou nas ruas do recôncavo baiano de verdade. As locações da Chapada Diamantina funcionaram perfeitamente para ambientar o filme. Apesar do roteiro de João Daniel ter suas pequenas falhas, a meu ver, sua visão como diretor é muito interessante. Talvez por causa disso tenha na estante de casa 50 prêmios de Cannes em publicidade. Fiquei muito empolgado com os “vôos” do besouro, não do Personagem, mas do inseto. Sem mencionar a cena do sapo, que é realmente muito legal, pois vermos o filme em primeira pessoal é diferente, e diferente do filme de J.J. Abrams, o Cloverfilld, na gente não enjoa, pois são pequenos trechos de película, em momentos importantes. Quanto a esses fatores, são pontos positivos.
Outra coisa que não poderia deixar de ressaltar na obra é a ação. Dizia-se que o filme é desse gênero, mas não é bem assim. Ele se vendeu como um filme de ação. A pouca que há realmente é muito empolgante, mas ressalto que a ação é mínima. Mas apesar disseo, eu quase me levantei da cadeira e comecei a gingar dentro da sala de cinema. Realmente muito, muito bom. Os golpes bem executados, com perfeição e maestria; o gingado empolgante. Acho que o Chinês que entra no filme para coreografar as lutas não pode ser responsabilizado por isso. Eu como negro que sou, poderia até dizer que a GINGA É GENÉTICA, mas cairia no erro, entretanto, acho difícil que Huen Chiu Ku responsável pelas lutas tenha dado dicas de como gingar na frente das câmeras. O seu papel foi fundamental com toda certeza no trabalho estilo “Matrix” – o pêndulo nos cabos, tão bem executados, à estilo de O Tigre e o Dragão, usando sua experiência principalmente com a parte técnica cinematográfica das pelejas. Ressalto que o ótimo desempenho dos atores na prática da capoeira que é visto é mérito pessoal de cada um.
Um ponto que João Daniel acerta muito bem é a questão da Mitologia Yorubá. Pelo menos em parte! Ele retrata muito bem como a religião de matriz africana esta inserida no cotidiano do negro baiano do início do século XX. Em um determinado momento vê-se quase uma aula de sobre orixás que se encaixa muito bem no contexto do filme e é muito interessante! E não posso aqui deixar de mencionar o papel de Exu no filme. Interpretado por Sérgio Laurentino, Exu é uma peça fundamental na transformação de Besouro num mito, ou melhor, num marco. A representação do ator é extraordinária e empolgante. Acho que um dos poucos atores que a meu ver conseguiram ter destaque interpretativo foi Sérgio, junto com Macalé dos Santos e Irandhir Santos, (Quaderna de A Pedra do Reino) o capataz da fazenda. A maioria dos outros personagens principais é interpretada de maneira pouco convincente, inclusive a Dinorá, Quero-quero e o Coronel, respectivamente Jéssica Barbosa, Anderson Santos e Flávio Rocha.
Enfim caros colegas, Besouro, como um filme de ação, deixa a desejar! Quero deixar claro que o faz no sentido de que poderíamos ver mais ação, menos relutância da parte do herói, mais empolgação na interpretação de alguns atores e etc. Agora no que diz respeito aos valores e idéias que a obra traz para uma discussão é muito importante. Na academia, por exemplo, o filme pode ser visto como pano de fundo para discussões profundas a respeito de racismo e questões de gênero e resistência, pois isso é facilmente visualizado na obra. As idéias do sincretismo e da valorização da cultura negra, principalmente das religiões de matrizes africanas, também podem ser discutidas a partir do filme. Ou seja, é um grande leque de possibilidades.
Ressalto que esse é meu ponto de vista, agora cabe a você ver o filme e analisar o dito cujo. E finalmente, não tenho mais nada a dizer, repito aqui o mesmo parágrafo das outras resenhas – essa é a quarta. Mais uma vez, aguardo respostas. Bem, é C³ é Cotinha é ao Cubo e esse é o título da resenha! Até a próxima.


16:58
Marcelo Cotinha

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